julho 8, 2025
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Prospecção jurídica na prática: como gerar novas demandas com os próprios clientes

Grande parte do potencial de crescimento de um escritório de advocacia está no lugar mais óbvio — mas nem sempre mais explorado: sua própria base de clientes. A prospecção interna, quando feita com método, ética e visão estratégica, é mais do que uma oportunidade comercial — é uma forma inteligente de consolidar relacionamentos, gerar valor e tornar o escritório mais eficiente, rentável e resiliente.

Num cenário em que captar novos clientes exige tempo, energia e recursos crescentes — e enfrenta limites éticos bem definidos pela OAB —, fortalecer o vínculo com os atuais contratantes e identificar novas necessidades é um diferencial competitivo relevante e, sobretudo, possível.

Por que clientes satisfeitos são a melhor porta de entrada para novas demandas?

Clientes que já conhecem o trabalho do escritório, que confiam na equipe e que tiveram uma boa experiência, têm menor barreira de entrada para novos contratos. Não precisam ser convencidos do valor da entrega — apenas da relevância da nova proposta. Além disso, estão mais propensos a se abrirem sobre suas preocupações jurídicas, o que permite uma atuação mais consultiva e menos reativa por parte do advogado.

Outro ponto importante é que muitos clientes não conhecem todos os serviços oferecidos pelo escritório. Em diversos casos, mantêm a relação restrita à área de entrada (tributária, contratual, societária, imobiliária), sem saber que poderiam contar com suporte em outras frentes jurídicas. Quando essa comunicação é bem feita, surgem oportunidades naturais de expansão.

Estratégias de up-selling e cross-selling no universo jurídico

Duas estratégias originadas no mundo empresarial são perfeitamente adaptáveis à advocacia consultiva:

  • Up-selling jurídico: consiste em oferecer ao cliente um serviço mais completo, robusto ou estratégico do que o originalmente contratado. Por exemplo, um cliente que busca apenas a elaboração de contratos pode ser orientado sobre a necessidade de revisar toda sua estrutura societária ou implementar um programa de compliance contratual. Ou ainda, um cliente com demandas trabalhistas recorrentes pode ser conduzido à adoção de políticas internas preventivas ou treinamentos jurídicos para gestores.
  • Cross-selling jurídico: aqui, a proposta é complementar a solução original com serviços de outras áreas do escritório. Um cliente atendido na área imobiliária, por exemplo, pode ser convidado a revisar sua estrutura patrimonial (planejamento sucessório, holding, doações), ou um cliente da área empresarial pode ser beneficiado por uma análise tributária de sua operação.

A chave está na personalização: não se trata de “vender mais”, mas de identificar, com profundidade e critério, o que faz sentido para aquele cliente naquele momento.

O momento certo: quando propor novos serviços

Propor novos serviços exige mais do que disposição comercial — exige sensibilidade estratégica. Não há nada mais contraproducente do que uma abordagem genérica, insistente ou fora de contexto. O sucesso da prospecção jurídica interna está diretamente ligado à capacidade do advogado de ouvir, interpretar e antecipar.

Alguns momentos são especialmente oportunos:

  • Reuniões de resultados ou de acompanhamento contratual
  • Mudanças no cenário do cliente (societárias, familiares, operacionais)
  • Reformas legislativas que impactem diretamente o setor do cliente
  • Problemas recorrentes que indiquem necessidade de solução estrutural
  • Expansão ou diversificação das atividades do cliente
  • Situações de risco jurídico iminente (passivo oculto, exposição reputacional)

É nessas ocasiões que a escuta ativa, a postura consultiva e o conhecimento profundo do negócio do cliente se transformam em diferenciais claros.

Como estruturar esse processo dentro do escritório

Para que a geração de novas demandas com os próprios clientes deixe de ser um processo informal e intuitivo — que depende exclusivamente de advogados mais experientes ou com perfil mais comercial — é necessário estruturar uma cultura de prospecção consultiva. Eis alguns elementos fundamentais:

  1. Mapeamento de portfólio de serviços
    Cada advogado do escritório deve conhecer, ao menos de forma básica, os serviços oferecidos pelas demais áreas. A falta desse conhecimento interno impede que oportunidades sejam identificadas.
  2. Cadastro inteligente de clientes e histórico de demandas
    Sistemas de CRM jurídico ou mesmo planilhas bem estruturadas devem conter não só os dados de contato, mas também o histórico de atuação, áreas atendidas e situações jurídicas enfrentadas.
  1. Reuniões internas entre áreas
    Promover encontros regulares entre os times para troca de informações, cases e possíveis demandas cruzadas cria um ambiente propício à identificação de oportunidades.
  2. Indicadores de aproveitamento da base de clientes
    Percentual de clientes com mais de um contrato ativo, taxa de recompra de serviços ou índice de renovação contratual são dados que ajudam a avaliar a efetividade da prospecção interna.
  3. Postura consultiva em todos os pontos de contato
    Desde o atendimento inicial até a entrega final, todos os membros da equipe devem estar atentos às dores não verbalizadas. Muitas vezes, uma preocupação jurídica aparece em uma conversa informal ou em uma dúvida aparentemente simples.

Exemplo prático: de uma revisão contratual a um plano de expansão patrimonial

Imagine um escritório que atende uma empresa familiar para revisar seus contratos com fornecedores. Durante a conversa, identifica-se que a empresa está em fase de transição entre gerações, com sucessores se preparando para assumir o negócio. Ao perceber esse movimento, o advogado propõe uma reunião com o setor societário e tributário para discutir planejamento sucessório, blindagem patrimonial e governança. Em um único movimento, protege-se o cliente e se amplia a atuação do escritório com soluções de alto valor estratégico.

Conclusão: ética, estratégia e relacionamento como base da prospecção jurídica

A prospecção interna exige equilíbrio entre iniciativa comercial e postura ética. O objetivo não é empurrar serviços, mas ampliar o cuidado jurídico com quem já confiou no escritório. Escritórios que adotam essa visão deixam de ser meros solucionadores de problemas e passam a ser parceiros permanentes dos seus clientes.

Esse tipo de atuação aumenta a previsibilidade financeira, fortalece a reputação profissional e gera crescimento sustentável. Afinal, o melhor cliente é aquele que já está na casa — e que pode ficar por muito mais tempo, desde que bem cuidado.

Referências Bibliográficas

  • DIXON, Matthew; ADAMSON, Brent. The Challenger Sale: Taking Control of the Customer Conversation. Portfolio Hardcover, 2011.
  • KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2012.
  • RACKHAM, Neil. SPIN Selling. McGraw-Hill Education, 1988.
  • SANTOS, Alexandre Motta. Gestão Legal: Como Administrar Escritórios de Advocacia com Eficiência. São Paulo: MP Editora, 2020.
  • SHAW, Colin; IVENS, John. Building Great Customer Experiences. Palgrave Macmillan, 2002.
  • CONSELHO FEDERAL DA OAB. Provimento nº 205/2021. Dispõe sobre a publicidade, a propaganda e a informação da advocacia. Disponível em: https://www.oab.org.br. Acesso em: 01/07/2025

Fernando Henrique de Oliveira Magalhães

É graduado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), turma de 1985. Sua formação de base foi concluída no Colégio Santo Américo, onde finalizou o ensino médio em 1981.

Ao longo de sua trajetória, construiu uma base sólida em gestão, estratégia e finanças, com ênfase especial na estruturação e desenvolvimento de negócios. Em 2018, concluiu o curso de Planejamento Estratégico para Escritórios de Advocacia na GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas, e participou do programa “Melhores Práticas de Gestão de Escritórios de Advocacia”, promovido pela TOTVS. No ano seguinte, aprofundou sua atuação no segmento jurídico com a especialização em Gestão Jurídica Estratégica pela FIA – Fundação Instituto de Administração.

Sua experiência também se estende ao varejo e ao franchising, tendo concluído diversos programas voltados à gestão e desempenho operacional. Entre eles, destacam-se os cursos “Finanças para Varejo” e “Gestão de Lojas e Negócios”, ambos promovidos pela Growbiz, além do “Programa de Treinamento para Gerentes de Varejo” e “Técnica de Vendas para Varejo”, ministrados pelo Grupo Friedman. Também integrou a “Franchising University”, iniciativa do Grupo Cherto, voltada à profissionalização da gestão de redes de franquias.

Além disso, possui fluência em inglês, tanto na comunicação oral quanto escrita, resultado da formação completa — do nível básico ao avançado — cursada na Associação Alumni entre 1987 e 1990.

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