Muitos advogados ainda encaram uma reunião com o cliente apenas como um momento técnico — uma oportunidade de entender um caso, esclarecer dúvidas ou apresentar uma solução jurídica. Porém, quem enxerga essas conversas de forma estratégica sabe que cada encontro pode ser também um momento de prospecção silenciosa. Não se trata de vender de forma direta, mas de identificar novas demandas e gerar valor consultivo que naturalmente abre portas para novos trabalhos.
Transformar reuniões jurídicas em oportunidades comerciais exige uma mudança de mentalidade. É preciso sair do papel de mero executor de demandas e assumir o papel de parceiro estratégico do cliente. Isso significa compreender o contexto empresarial, os desafios operacionais e as metas do negócio — indo além da letra fria da lei para oferecer soluções que impactem o resultado.
O primeiro passo é o posicionamento. Um advogado que se posiciona como especialista em determinado segmento — seja franquias, imobiliário ou societário — ganha autoridade e passa a ser ouvido de forma diferente. O cliente não vê apenas um profissional que responde perguntas, mas alguém que antecipa riscos, sugere melhorias e orienta decisões. Essa postura proativa é a base para construir confiança, e a confiança é o que faz o cliente abrir novas conversas e compartilhar outras questões.
Durante a reunião, a escuta ativa é fundamental. Enquanto o cliente fala sobre um problema, é comum que revele fragilidades de outras áreas. Um advogado atento percebe esses sinais e anota mentalmente possíveis oportunidades: um contrato mal estruturado, um processo interno sem política clara, um relacionamento societário confuso, uma marca sem registro ou uma prática trabalhista com risco potencial. Essas observações não devem ser usadas de forma imediata ou invasiva, mas como pontos para futuras abordagens naturais e contextualizadas.
Outra habilidade essencial é fazer as perguntas certas. Perguntas estratégicas demonstram interesse genuíno e ajudam o advogado a ampliar o diagnóstico. Em vez de se limitar a “qual é o problema?”, vale perguntar “como essa situação impacta o negócio?”, “quem mais está envolvido na decisão?”, “essa dificuldade é recorrente ou pontual?”. Cada resposta traz pistas sobre a estrutura e as dores da empresa. E, ao compreender o todo, o advogado passa a enxergar oportunidades para outros tipos de assessoria, muitas vezes fora do escopo inicial.
Após a reunião, é importante registrar os pontos-chave: demandas diretas, riscos percebidos, temas correlatos e possíveis conexões com outras áreas do escritório. Um pequeno registro de cada conversa ajuda a mapear oportunidades de forma estruturada. Com o tempo, esses registros formam um mapa de potenciais demandas que podem ser abordadas de maneira orgânica, sem parecer uma venda forçada.
Um erro comum é tentar transformar a reunião em um momento de oferta imediata. Isso quebra a confiança e desvia o foco do cliente. O caminho correto é plantar sementes. Por exemplo: se durante a conversa surge um problema de governança entre sócios, o advogado pode apenas comentar que já ajudou outros clientes em situações semelhantes, com um acordo de sócios bem estruturado. Esse simples comentário gera credibilidade e desperta interesse. O cliente se lembra disso no momento certo — e, muitas vezes, é ele quem volta para pedir ajuda.
Outra estratégia poderosa é reunir informações e fazer follow-up qualificado. Após a reunião, o advogado pode enviar um e-mail agradecendo o encontro e incluindo um breve comentário sobre algum ponto discutido, acompanhado de um material ou insight adicional. Essa pequena atenção mostra cuidado e competência, reforçando a percepção de valor. Com o tempo, essas interações constroem uma relação de confiança que naturalmente se transforma em novas contratações.
A integração entre áreas do escritório também potencializa esse processo. Um advogado da área trabalhista, ao ouvir uma queixa sobre um contrato comercial, pode sinalizar internamente à equipe empresarial. Da mesma forma, o advogado tributário pode alertar sobre uma possível reestruturação societária. Quando o escritório atua de forma integrada, cada reunião individual se torna uma porta de entrada para múltiplos serviços. Esse modelo de atuação cruzada amplia a percepção de que o escritório é completo e preparado para resolver qualquer demanda.
Outro aspecto essencial é a leitura de contexto. Cada reunião traz sinais sobre o momento do cliente: expansão, crise, sucessão, investimentos, conflitos ou reorganizações. Entender o ciclo de vida do negócio ajuda o advogado a oferecer o serviço certo no momento certo. Por exemplo, um cliente que menciona crescimento acelerado pode precisar de revisão contratual e compliance; um que reclama da sobrecarga operacional pode se beneficiar de reestruturação societária ou revisão de políticas internas. Identificar esses momentos é a arte de converter conversas em oportunidades.
Por fim, transformar reuniões em oportunidades exige autenticidade. O cliente percebe quando há interesse genuíno e quando há uma tentativa de venda disfarçada. O verdadeiro diferencial está em ser útil, não insistente. O advogado que entrega valor em cada conversa, que ouve mais do que fala e que traduz o jurídico em impacto real para o negócio, inevitavelmente se torna indispensável. E quando isso acontece, os novos trabalhos deixam de ser “prospecção” e passam a ser consequência natural da confiança construída.
Em um mercado cada vez mais competitivo, os escritórios que se destacam são aqueles que tratam cada interação com o cliente como uma oportunidade de gerar valor. Uma reunião bem conduzida não termina na despedida — ela planta uma ideia, uma lembrança, uma percepção positiva. E é dessa lembrança que nascem as próximas contratações, indicações e parcerias.
Mais do que vender, é sobre ajudar o cliente a enxergar o que ele ainda não viu. É sobre mostrar que o jurídico pode ser ferramenta de crescimento, não apenas de defesa. Quando o advogado assume essa postura consultiva, cada reunião se torna um investimento — e cada conversa, uma oportunidade comercial em potencial.
Bibliografia
MOTTA, Alexandre. Gestão Legal: como construir escritórios de advocacia eficientes, rentáveis e duradouros. São Paulo: Editora Atlas, 2019.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A advocacia como atividade de consultoria e orientação preventiva. São Paulo: RT, 2019.
COSTA, Fábio Ulhoa. Empresas e Atividades Empresariais: aspectos jurídicos e estratégicos. São Paulo: Saraiva, 2021.
SEBRAE Nacional. Gestão Estratégica de Escritórios de Advocacia. Brasília: Sebrae, 2022.
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Fernando Henrique de Oliveira Magalhães
É graduado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), turma de 1985. Sua formação de base foi concluída no Colégio Santo Américo, onde finalizou o ensino médio em 1981.
Ao longo de sua trajetória, construiu uma base sólida em gestão, estratégia e finanças, com ênfase especial na estruturação e desenvolvimento de negócios. Em 2018, concluiu o curso de Planejamento Estratégico para Escritórios de Advocacia na GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas, e participou do programa “Melhores Práticas de Gestão de Escritórios de Advocacia”, promovido pela TOTVS. No ano seguinte, aprofundou sua atuação no segmento jurídico com a especialização em Gestão Jurídica Estratégica pela FIA – Fundação Instituto de Administração.
Sua experiência também se estende ao varejo e ao franchising, tendo concluído diversos programas voltados à gestão e desempenho operacional. Entre eles, destacam-se os cursos “Finanças para Varejo” e “Gestão de Lojas e Negócios”, ambos promovidos pela Growbiz, além do “Programa de Treinamento para Gerentes de Varejo” e “Técnica de Vendas para Varejo”, ministrados pelo Grupo Friedman. Também integrou a “Franchising University”, iniciativa do Grupo Cherto, voltada à profissionalização da gestão de redes de franquias.
Além disso, possui fluência em inglês, tanto na comunicação oral quanto escrita, resultado da formação completa — do nível básico ao avançado — cursada na Associação Alumni entre 1987 e 1990.