A advocacia vive um momento de transformação. O número de profissionais cresce a cada ano, a concorrência se intensifica e o cliente se torna mais exigente. Nesse cenário, não basta ser um bom advogado — é preciso ser também um bom gestor. E é justamente aí que surgem as maiores dificuldades enfrentadas pelos escritórios de advocacia: a falta de estrutura gerencial para sustentar o crescimento e a rentabilidade.
Um dos desafios mais frequentes é o controle financeiro. Muitos escritórios acreditam estar em boa situação apenas porque o saldo bancário está positivo, mas sem compreender de onde vem esse resultado. Já acompanhei um caso em que o caixa do escritório mostrava R$ 60 mil no fim do mês — mas, ao analisar com atenção, o valor só era positivo porque havia sido feito um empréstimo de R$ 40 mil. Na prática, o resultado operacional era negativo. Esse tipo de confusão é comum quando não há um DRE estruturado, um plano de contas bem definido e um acompanhamento real da margem de contribuição e do ponto de equilíbrio.
Outra dificuldade recorrente é a precificação incorreta dos honorários. Muitos advogados definem valores “de mercado”, baseados em concorrentes ou na intuição, sem levar em conta custos fixos, impostos e o tempo dedicado a cada processo. Um escritório que atuei recentemente cobrava R$ 1.500 por um contrato empresarial que consumia quase 15 horas de trabalho de um advogado sênior. Quando fizemos o cálculo completo, incluindo encargos e estrutura, o custo interno era de R$ 1.200 — ou seja, a margem era praticamente zero. Ao ajustar o preço para R$ 2.400 e comunicar melhor o valor entregue, o escritório passou a lucrar com o mesmo volume de trabalho.
A falta de planejamento estratégico é outro ponto que limita o crescimento. Muitos escritórios vivem o dia a dia da advocacia sem metas, sem indicadores e sem direção clara. Querem crescer, mas não sabem em qual área ou com qual tipo de cliente. Em um projeto de consultoria, por exemplo, identificamos que o escritório atendia mais de dez áreas diferentes — de direito de família a empresarial — o que dificultava a comunicação e dispersava a equipe. Após definir foco em apenas duas frentes (empresarial e tributário), o posicionamento ficou mais claro, as indicações aumentaram e o marketing se tornou muito mais eficiente.
Também é comum encontrar desafios sérios na gestão de pessoas. A rotatividade elevada e a falta de engajamento quase sempre têm a mesma origem: ausência de plano de carreira e de reconhecimento. Certa vez, em um escritório com 15 profissionais, mais da metade da equipe havia sido contratada há menos de um ano. Ao investigar, percebemos que ninguém sabia o que era necessário para crescer internamente — não havia critérios objetivos. Criamos um plano de carreira dividido por níveis (júnior, pleno e sênior), com metas de desempenho e capacitação. Em menos de seis meses, o clima organizacional mudou completamente e o turnover despencou.
A falta de processos e padronização também é um gargalo recorrente. Quando cada advogado arquiva documentos, atende clientes ou elabora peças de forma diferente, o retrabalho se torna inevitável. Um exemplo: em um escritório com três sócios e oito advogados, cada um utilizava uma planilha própria para controle de prazos e audiências. Bastou centralizar as informações em um sistema único e definir um fluxo de acompanhamento para reduzir erros e aumentar a produtividade da equipe. O simples ato de padronizar o modo de fazer trouxe segurança, previsibilidade e tempo livre para pensar em melhorias.
Mas talvez o maior desafio de todos seja a falta de tempo dos sócios para pensar o negócio. A rotina é dominada por prazos, audiências e reuniões com clientes, e sobra pouco espaço para analisar números ou traçar estratégias. Lembro de um escritório que me dizia “não temos tempo para planejar”, mas, ao revisar a agenda, descobrimos que gastavam cerca de 15 horas semanais resolvendo tarefas administrativas que poderiam ser delegadas. Ao organizar essas rotinas e criar uma reunião semanal de gestão, os sócios passaram a acompanhar indicadores e tomar decisões com base em dados — e o escritório deu um salto em resultado.
Superar essas dificuldades exige profissionalização da gestão. Implantar um plano de contas bem estruturado, acompanhar indicadores financeiros, estabelecer metas claras, desenhar processos internos padronizados e investir em liderança e desenvolvimento de pessoas são etapas essenciais para que o escritório funcione de forma previsível e sustentável.
A advocacia continua sendo uma profissão vocacionada, mas, para se manter competitiva, precisa ser também uma empresa bem gerida.
Porque talento jurídico sem gestão é como um barco sem leme: até pode navegar, mas dificilmente chegará aonde realmente deseja.
Os escritórios que aprendem a se enxergar como empresas não apenas sobrevivem — eles prosperam.
Bibliografia
PINTO, Alexandre de Souza. Gestão Estratégica de Escritórios de Advocacia. São Paulo: Saraiva Jur, 2021.
TOLEDO, Paulo Cezar. Administração de Escritórios de Advocacia. São Paulo: Atlas, 2019.
CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2022.
PADOVEZE, Clóvis Luís. Contabilidade Gerencial: Um enfoque em sistema de informação contábil. São Paulo: Atlas, 2020.
Fernando Henrique de Oliveira Magalhães
É graduado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), turma de 1985. Sua formação de base foi concluída no Colégio Santo Américo, onde finalizou o ensino médio em 1981.
Ao longo de sua trajetória, construiu uma base sólida em gestão, estratégia e finanças, com ênfase especial na estruturação e desenvolvimento de negócios. Em 2018, concluiu o curso de Planejamento Estratégico para Escritórios de Advocacia na GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas, e participou do programa “Melhores Práticas de Gestão de Escritórios de Advocacia”, promovido pela TOTVS. No ano seguinte, aprofundou sua atuação no segmento jurídico com a especialização em Gestão Jurídica Estratégica pela FIA – Fundação Instituto de Administração.
Sua experiência também se estende ao varejo e ao franchising, tendo concluído diversos programas voltados à gestão e desempenho operacional. Entre eles, destacam-se os cursos “Finanças para Varejo” e “Gestão de Lojas e Negócios”, ambos promovidos pela Growbiz, além do “Programa de Treinamento para Gerentes de Varejo” e “Técnica de Vendas para Varejo”, ministrados pelo Grupo Friedman. Também integrou a “Franchising University”, iniciativa do Grupo Cherto, voltada à profissionalização da gestão de redes de franquias.
Além disso, possui fluência em inglês, tanto na comunicação oral quanto escrita, resultado da formação completa — do nível básico ao avançado — cursada na Associação Alumni entre 1987 e 1990.