junho 3, 2025
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Seu escritório tem cultura ou apenas hábitos?

Uma reflexão sobre valores, comunicação, clima organizacional e coerência entre discurso e prática nos escritórios de advocacia.

Muitos escritórios de advocacia operam sob a ilusão de que possuem uma cultura sólida apenas por manterem certos comportamentos repetidos ao longo do tempo: horários de trabalho informalmente aceitos, determinadas maneiras de redigir peças, formas específicas de se comunicar com clientes ou até o hábito de evitar certos assuntos nas reuniões de equipe. Mas há uma diferença fundamental — e estratégica — entre hábito e cultura organizacional.

Enquanto hábitos são comportamentos repetidos, muitas vezes inconscientes e desconectados de um propósito comum, a cultura é deliberada, estruturada e orientada por valores. E mais importante: ela se reflete em todas as decisões, relações e estratégias do escritório.

Cultura organizacional é o conjunto de valores, princípios, crenças e comportamentos compartilhados que orientam a forma como os membros de um escritório interagem entre si, com os clientes e com o mercado. É invisível, mas onipresente — manifesta-se nas decisões cotidianas, no tom dos e-mails, no tratamento dado a estagiários, na postura diante de erros e até nas reações ao sucesso.

Um escritório com cultura jurídica bem estabelecida consegue se posicionar

de forma clara: sabe o que aceita ou recusa, como promove seus advogados, o que considera “excelência”, como trata seus clientes e como reage às adversidades. Em contrapartida, onde há apenas hábitos, as ações tendem a ser reativas, contraditórias e desarticuladas, levando à desmotivação e à perda de confiança da equipe.

Um dos maiores sinais de que há cultura — e não apenas hábito — é o alinhamento entre o que se diz e o que se faz. Muitos escritórios proclamam valores como “transparência”, “meritocracia” ou “colaboração”, mas internamente incentivam a competição desleal, ocultam informações estratégicas ou tomam decisões políticas disfarçadas de critérios objetivos.

A incoerência entre o discurso institucional e as práticas do dia a dia gera cinismo entre os advogados e funcionários. E esse sentimento mina a confiança, o engajamento e, sobretudo, a credibilidade da liderança.

Um exemplo prático: se o sócio afirma que todos têm espaço para crescer, mas não há critérios claros para promoções ou participação nos resultados, está-se diante de uma retórica vazia. A cultura real, nesse caso, é de centralização, não de desenvolvimento.

Cultura jurídica não é o que está escrito no regimento interno ou no site institucional. É o que acontece quando ninguém está olhando. É a forma como os advogados se tratam em uma reunião acalorada. É como o escritório lida com erros, com pressão de prazos ou com o cliente inadimplente.

Por isso, o primeiro passo para construir (ou reconstruir) uma cultura forte é tornar os valores do escritório claros, compreendidos e incorporados. Isso significa que devem ser:

  • Reais: nada de copiar valores de grandes firmas internacionais. Os valores precisam refletir o que o escritório acredita de fato.
  • Vividos: precisam orientar decisões, inclusive as difíceis.
  • Comunicados: a equipe precisa conhecer e saber como esses valores se traduzem no dia a dia.
  • Revisados: cultura não é estática. Ela deve ser avaliada e ajustada com o tempo.

Cultura se comunica — com palavras, com silêncio, com olhares. A forma como a liderança se comunica é determinante para a solidez cultural. Escritórios onde decisões são comunicadas de forma vaga ou onde conversas difíceis são evitadas tendem a cultivar um ambiente de insegurança, ruído e especulações.

Uma comunicação clara, frequente e transparente é um pilar da cultura saudável. Isso vale tanto para a liderança quanto para todos os membros da equipe. O ambiente se torna mais colaborativo, respeitoso e coeso quando há segurança psicológica para expressar ideias, críticas e opiniões divergentes.

Além disso, o modelo de feedback adotado pelo escritório — se existe, como é feito e com que frequência — é um indicativo direto da maturidade cultural. Escritórios que fogem de feedbacks estruturados geralmente perdem oportunidades de desenvolvimento individual e coletivo.

Embora muitas vezes confundidos, clima e cultura são distintos. Clima é a percepção atual das pessoas sobre o ambiente de trabalho; cultura é o conjunto de crenças que molda esse ambiente. O clima pode oscilar conforme eventos específicos, mas quando as oscilações se tornam padrão, é sinal de uma cultura disfuncional.

Avaliar o clima periodicamente (por meio de pesquisas internas, entrevistas ou reuniões abertas) permite identificar desalinhamentos, ruídos e riscos de perda de talentos. Um clima constantemente negativo revela uma cultura que, mesmo não declarada, é vivenciada como tóxica.

Cuidar do clima é um cuidado com a cultura. E isso exige escuta ativa, disposição para ajustes e uma liderança atenta ao impacto das decisões sobre as pessoas.

Escritórios que constroem uma cultura sólida atraem, desenvolvem e retêm talentos com mais facilidade. A clareza de valores reduz conflitos internos, melhora a tomada de decisões, fortalece a reputação institucional e eleva a produtividade, pois a equipe trabalha com mais alinhamento e autonomia.

Ao contrário, escritórios que operam apenas com hábitos — muitas vezes herdados, automáticos e não questionados — correm o risco de se tornar ambientes fragmentados, onde impera o “cada um por si”. E nesse cenário, nem o melhor plano de marketing ou investimento em tecnologia resolve.

Para quem deseja sair da zona de hábito e construir uma cultura intencional e alinhada, seguem quatro movimentos iniciais:

  1. Diagnóstico cultural: entender como a cultura atual é percebida internamente.
  2. Definição de valores reais: com envolvimento dos sócios e líderes, estabelecer os princípios que guiarão o escritório.
  3. Prática coerente: revisar condutas, decisões e processos para que reflitam esses valores.
  4. Gestão contínua: cultura é viva. Deve ser monitorada, ajustada e comunicada de forma constante.

Ao final, a pergunta central permanece: o seu escritório tem cultura ou apenas hábitos?

A diferença entre os dois define se o escritório está construindo um futuro sólido, com identidade e direção clara, ou apenas repetindo rotinas herdadas, sem consciência de seu impacto. Cultura é uma escolha — e escolher construí-la é um ato de liderança.

Se o discurso e a prática caminham juntos, se os valores orientam decisões difíceis, se o ambiente favorece a confiança e o crescimento, então sim: há cultura. Do contrário, talvez seja hora de interromper a repetição inconsciente dos hábitos e iniciar, com coragem e propósito, a construção de uma cultura organizacional jurídica autêntica

Fernando Henrique de Oliveira Magalhães

É graduado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), turma de 1985. Sua formação de base foi concluída no Colégio Santo Américo, onde finalizou o ensino médio em 1981.

Ao longo de sua trajetória, construiu uma base sólida em gestão, estratégia e finanças, com ênfase especial na estruturação e desenvolvimento de negócios. Em 2018, concluiu o curso de Planejamento Estratégico para Escritórios de Advocacia na GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas, e participou do programa “Melhores Práticas de Gestão de Escritórios de Advocacia”, promovido pela TOTVS. No ano seguinte, aprofundou sua atuação no segmento jurídico com a especialização em Gestão Jurídica Estratégica pela FIA – Fundação Instituto de Administração.

Sua experiência também se estende ao varejo e ao franchising, tendo concluído diversos programas voltados à gestão e desempenho operacional. Entre eles, destacam-se os cursos “Finanças para Varejo” e “Gestão de Lojas e Negócios”, ambos promovidos pela Growbiz, além do “Programa de Treinamento para Gerentes de Varejo” e “Técnica de Vendas para Varejo”, ministrados pelo Grupo Friedman. Também integrou a “Franchising University”, iniciativa do Grupo Cherto, voltada à profissionalização da gestão de redes de franquias.

Além disso, possui fluência em inglês, tanto na comunicação oral quanto escrita, resultado da formação completa — do nível básico ao avançado — cursada na Associação Alumni entre 1987 e 1990.

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